sábado, 13 de junho de 2009

contributo para a clarificação de conceitos

Enfermagem de família: Clarificação de conceitos[1]
Ana Albuquerque Queiroz[2]

A família tem sido considerada nos cuidados de em enfermagem desde sempre. Em épocas anteriores foram as enfermeiras de saúde pública que marcaram o reconhecimento da família como um importante factor no crescimento e desenvolvimento dos indivíduos, bem como na recuperação de doenças. Com o advento da teoria de sistemas, adaptada aos sistemas viventes por Bertalanffy, na década de 30, e introduzida na enfermagem, em 1960, o conceito de enfermagem da família tem sido entendido como o cuidado de enfermagem prestado a todo sistema ou unidade familiar, (Friedman,1989).
Actualmente, vários teóricos têm-se empenhado em diferentes conceptualizações de família e enfermagem na assistência à família, focalizando o cuidado de acordo com o modelo utilizado. Assim, ora direccionam o cuidado do indivíduo no contexto da família, ora é a família com o indivíduo como contexto, sendo a tendência emergente o cuidado da família como sistema, ou seja, a família é a unidade do cuidado.
Existem quatro maneiras pelas quais o conceito de família foi definido por enfermeiras: a família como ambiente, a família como um grupo de interacção intersectorial, a família como uma unidade singular com limites definidos e como uma unidade em interacção com o ambiente, Whall, 1981.
Compreender essas diferentes configurações da(s) família(s) não prepara as enfermeiras para trabalhar com ela. É desejável que se aproximem das abordagens das ciências humanas e das teorias sobre sistemas familiares. Essa necessidade desencadeou três tendências na enfermagem: um aumento de conteúdo nas disciplinas sobre família nos meios académicos, aumento das pesquisas sobre família e a ampliação da prática clínica, tomando a família como objecto do cuidado.
As transformações das práticas de enfermagem implicam também uma diversificação das responsabilidades do(s) seu(s) campo(s) de actuação, sendo necessário que se analise o estado actual da prática da enfermagem centrada na Família e a percepção da família pelos profissionais de enfermagem.
A história, a evolução do desenvolvimento teórico da enfermagem da família têm sido discutidos em profundidade na literatura (Feetham, Meister, Bell e Gilliss,1993; Friedman,1992; Gillisss,1991; Gilliss, Highley, Roberts e Martinson,1989; Lansberry e Richards,1992; Whall e Fawcett,1991). Estes autores deram uma significativa contribuição ao avanço do conhecimento deste ramo, por meio da contextualização dos cuidados de enfermagem junto das famílias.
Podem considerar-se dois aspectos nesta percepção:
1- A família considerada como uma unidade de intervenção, quer dizer”alvo” dos cuidados e fonte de suporte para os enfermeiros.
2- A família considerada como um contexto facilitador dos cuidados, quer dizer uma fonte de suporte para o doente e fonte de informação para os enfermeiros.
De acordo com vários autores, a família constitui um dos factores psicossociais mais importantes na evolução da doença e no processo de readaptação. A família é um sistema no qual se actualizam as interacções que facilitam ou impedem a recuperação e restabelecimento e a readaptação de um dos seus membros doentes.
Muitas vezes, a família, passa por sentimentos de ansiedade e de medo ligados com a evolução da doença e dos tratamentos, podendo, com frequência, acontecer uma reorganização dos papeis familiares, para que se possa reenquadrar as actividades familiares e sociais dos seus elementos.
A Família marca as atitudes e os comportamentos de uma pessoa face à sua saúde e, inversamente, a situação de saúde de uma pessoa tem influencia sobre a dinâmica da família. É nesta perspectiva que os profissionais de enfermagem são chamados a considerar a dinâmica familiar como um dos principais elementos do processo de conceptualização dos cuidados.
Os cuidados às Famílias são um campo novo no desenvolvimento profissional em muitos países, incluindo o Canadá e Estados Unidos. No entanto este campo tem vindo a ampliar-se dado o contexto sócio-económico actual e, sobretudo, a viragem para o sector ambulatório, que impõe cada vez mais a participação das famílias nos cuidados dos seus familiares próximos. De acordo com Wright e Leahey, (1990), as enfermeiras generalistas consideram predominantemente a utilização do conceito de família como um contexto; por outro lado os profissionais com formação pós graduada usam o conceito de família como unidade ou cliente de assistência. Esta ultima perspectiva requer uma formação acrescida e aprofundada em “enfermagem dos sistemas familiares”, Wright e Leahey, (1990), pressupondo-se que esta formação conduz a que os profissionais se familiarizem com um corpo de conhecimentos que envolve a dinâmica de família, a teoria dos sistemas familiares, a avaliação, intervenção e investigação na família.
Para concretizarmos um pouco mais e de acordo com Gilliss, Higley e Martinson, (1989), podemos situar as intervenções dos enfermeiros no trabalho com famílias em cinco níveis:
Nível 1- Ênfase mínimo da Família.
Contacto com a família apenas se necessário por razões práticas ou legais.
Nível 2- Ênfase na informação.
Ao longo dos contactos para obtenção de informações e para a educação em Saúde.
Nível 3- Relação e apoio emocional.
O envolvimento é baseado no conhecimento sobre o desenvolvimento normal da família e as reacções ao stress.
Nível 4- Avaliação sistemática e planeamento da intervenção.
- baseada na compreensão dos sistemas familiares;
- requer competências para:
- planear e estruturar entrevistas á família;
- apreciação do funcionamento familiar;
- apoiar membros individuais sem formar alianças;
- redefinição de situações para promover a identificação de soluções para os problemas;
- ajudar os membros da família a trabalhar em conjunto para gerar soluções aceitáveis para todos;
- identificar disfunções que precisam de ser encaminhadas;
- preparação para um trabalho de terapia familiar.
Nível 5- Terapia da Família (este tipo de intervenção requer preparação específica em T.F. )

Para se trabalhar na perspectiva de família, é necessário acreditar que os processos de saúde e de doença são experiências que envolvem toda a família. Esse pressuposto permite que os enfermeiros pensem e envolvam todos os seus membros na sua assistência. O processo de cuidar da família pode ser entendido como uma metodologia de acção baseada num referencial teórico, isto é, o enfermeiro tem de ser competente em avaliar e intervir, baseando-se num relacionamento cooperativo – profissional/família, tendo como base uma fundamentação teórica.
Objectivos da Intervenção
O objectivo da enfermagem de família é o de ajudar a família a crescer na suas competências para lidarem com as respostas aos problemas de saúde actuais e/ou potenciais e a cumprir as suas funções do modo mais saudável.
O cuidado centrado na saúde da família tem como objectivo a promoção da saúde através da mudança. A proposta é ajudar a família a criar novas formas de interacção para lidar com os fenómenos de saúde e doença, dando novos significados para as suas experiências. No caso de uma doença deve-se conhecer, por exemplo, o que a família pensa sobre o que causou a doença e as possibilidades de cura, a fim de ajudar a família a modificar crenças que dificultam a implementação de estratégias para lidar com o cuidado da pessoa que está doente.
As estratégias devem ser no sentido não só de conhecer o impacto das experiências de saúde e doença sobre a família, mas também de investigar como as interacções entre os seus membros influenciam o desenvolvimento dos processos de saúde e doença. Sendo assim as intervenções baseiam-se em aspectos como:
1- Os cuidados à família centram-se na experiência da família ao longo da vida. Considera-se a história e o futuro do grupo familiar.
2- Considera-se o contexto cultural e sócio comunitário do grupo familiar.
3- Consideram-se as relações entre os membros da família e reconhece-se que em algumas circunstâncias nem todas as pessoas do grupo familiar atingem a sua plena saúde e bem estar.
4- Dirigem-se às famílias cujos membros estão com saúde ou doentes. O grau em que os indivíduos estão com saúde ou doentes não é um indicador fiável da saúde da família,
5- A Enfermagem de Família acontece em contextos onde as pessoas apresentam problemas de ordem fisiológica ou psicológica. As enfermeiras devem ser competentes para tratar o problema de saúde, muitas vezes partindo de um ponto de vista biomédico, integrando o conhecimento sobre o impacto da doença no grupo familiar, considerando a multi-dimensionalidade de factores.
6- O sistema familiar é influenciado por mudanças em cada um dos seus membros. A enfermeira, ao cuidar de um membro da família, está a “mexer” com o sistema.
7- Os enfermeiros reconhecem que precisam de interferir com o meio ambiente para aumentar as interacções da família.
8- Reconhecem que o elemento familiar, que apresentou um problema particular, muda constantemente, o que significa que o profissional terá de deslocar a sua atenção para outras pessoas ao longo do processo de intervenção. Apesar disso procura-se sempre identificar o impacto da situação da pessoa (problema) no grupo familiar.
9- Centra-se nos pontos fortes das pessoas, membros individuais e do grupo familiar, para promover o suporte mútuo e crescimento possíveis.
10- Os enfermeiros precisam de definir ” Família “.

BIBLIOGRAFIA
Alarcão,Madalena.(2000).( Des)Equilíbrios familiares, uma visão sistémica. Coimbra, Quarteto Editora.
Duhamel, F., (1995). La santé et la famille, une approche systémique en soins infirmiers. Montréal, Gaetan Morin éditeur.
Feetham, S.L., Meister, S.B., Bell,J.M., Gilliss, C.L. (1993). The nursing of families : Theory, research,education and practice. Newbury Park : Sage Publications.
Friedman ML. (1989). The concept of family nursing. Adv Nurs, 14:211-6.
Friedman,M.M. (1997). Family nursing : Research, theory and practice. East Norwalk,Connecticut : Appleton&Lange.
Gilliss,C.L. (1991). Family nursing research,theory and practice. Image :Journal of Nursing Scholarship,23(1),19-22.
Gillisss,C.L., Highley,B.L., Roberts,B.M., Martinson,I.M. (Eds.) (1989). Toward a science of family nursing. Menlo Park,CA : Addison-Wesley.
Hayes, Virginia E.(1997).Searching for family nursing practice knowledge. In : Thorne, Sally E.; HAYES, Virginia E.(editors).(1997)Nursing Praxis , knowledge and action. Thousand Oaks, Sage Publications.
International Council of Nurses. (2002). Nurses always there for you: Caring for families. (pp. 12-13). Retrieved Dec. 12, 2003 from http://www.icn.ch/indkit2002_01.pdf
Lansberry,C.R., Richards,E. (1992). Family nursing practice paradigm perspectives and diagnostic approaches. Advances in Nursing Science, 15(2), 66-75.
Relvas, Ana Paula.(1996) .O ciclo vital da família, perspectiva sistémica. Porto: Edições Afrontamento.
Whall AL. (1981). Nursing theory and the assessment of families. Psychiatr Nurs Mental Health Services, 19, 30-6.
Whall,A.L., Fawcett,J. (Eds.) (1993). Readings in family nursing. Phladelphia: J.B. Lippincott Company.
Walsh, F. (1982). Normal Family Processes. Guilford: New York.
Whyte, Dorothy. (1997). Explorations in family nursing. London, Routledge.
Wright, L., M.; Leahey, M., (1990). Trends in nursing of families. Journal of Advanced Nursing 15, 148-154
Wright, L.; Leahey, M. (1994). Nurses and families. Philadelphia. P.A.:F.A. Davies.
Wright, Lorraine, M.; Watson, Wendy, L., Bell, Janice, M. (1996). Beliefs, the heart of healing in families and illness. New York, Basic books.


[1] Comunicação apresentada nas jornadas da Associação Portuguesa de Enfermeiros de Cuidados de Saúde Primários em Abril de 2004.

[2] Ana Albuquerque Queiroz, Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Membro da Unidade Científico-Pedagógica de Enfermagem de Saúde Pública, Familiar e Comunitária aaq@esenfc.pt , anaqueirozmae@gmail.com

Sem comentários: